A Lei 14.457, de 21 de setembro de 2022, muito pouco difundida na mídia, como também pelas próprias empresas, trouxe importantíssimas regras que mudam, por completo, o mercado de trabalho para homens e mulheres que tenham filhos (naturais ou adotivos), além dos responsáveis legais que possuam a guarda judicial de crianças.
Frise-se, por oportuno, que essa grande novidade legislativa não diz respeito apenas e tão-somente à empregabilidade das mulheres, apesar de a norma ter sido nominada de “Programa Emprega + Mulheres“. Ao revés, esta legislação trouxe, em realidade, efetivas ações afirmativas direcionadas ao fomento da parentalidade, criando e flexibilizando direitos trabalhistas para pais e mães em todas as companhias brasileiras, independentemente do porte e do segmento produtivo.
Doravante, o empregado ou a empregada que tiver filhos com até 5 anos e 11 meses será contemplado(a) com um benefício destinado ao custeio do auxílio-creche ou pré-escola. Impende ressaltar que o benefício de reembolso-creche já era previsto no ordenamento jurídico na alínea “s” do §9º do artigo 28 da Lei 8.212/1991, tendo agora a nova legislação disciplinado seus requisitos para fins de viabilizar o seu pagamento.
Contudo, para o recebimento do benefício é imprescindível que este seja formalizado por acordo individual, acordo coletivo ou, ainda, que seja pactuado na convenção coletiva de trabalho. Aliás, a negociação coletiva de trabalho estabelecerá condições, prazos e valores do reembolso-creche, sem prejuízo do cumprimento dos demais preceitos de proteção à maternidade.
Entrementes, em caso de ausência de norma coletiva de trabalho, o benefício em epígrafe será regulamentado por Ato do Poder Executivo federal, ainda não publicado, que deverá dispor, dentre outras coisas, sobre os limites de valores para a concessão do reembolso-creche e as modalidades de prestação de serviços aceitas, incluído o pagamento de pessoa física.
A propósito, tal benefício não terá natureza salarial, de forma que não irá compor a base de cálculo para as contribuições previdenciárias e a retenção do imposto de renda, além de não ser parcela incorporada à remuneração para todos e quaisquer efeitos trabalhistas (férias, gratificação natalina, horas extras etc), inclusive para fins de recolhimento do FGTS.
De mais a mais, conquanto a parte inicial do “caput” do artigo 2º da Lei 14.157/2022 faça expressa menção à palavra “autorizados” — “Ficam os empregadores autorizados a adotar o benefício de reembolso-creche…” —, como se fosse uma faculdade o pagamento do reembolso-creche pelas empresas, entendemos que se trata, por certo, de uma imposição, pois, do contrário, a lei teria criada uma obrigação “natimorta”, sem nenhum efeito prático nas relações de trabalho que, em última análise, trazem efetivas diretrizes de “boas práticas” empresariais, sobretudo naquelas corporações que se intitulam E.S.G.
Lado outro, a nova legislação traz uma prioridade nas vagas de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância para o(a)s empregado(a)s com filho, enteado ou pessoa sob guarda judicial de até 6 anos de idade ou com deficiência, nesse último caso sem limite de idade. Pontua-se que a Lei 14.457/2022, pelo critério cronológico, deve prevalecer sobre a Lei 14.442/2022, que dispunha acerca da prioridade do teletrabalho para homens e mulheres com filhos de até 4 anos de idade.
Trata-se aqui de um direito potestativo de o(a) profissional ser alocado para trabalhar remotamente, desde, é claro, a atividade possa ser exercida à distância e, ainda, dentro da empresa esteja o(a) trabalhador(a) em vaga elegível para o sistema de home office. Assim, se a empresa adota naquele setor a prática do labor remoto e/ou híbrido, e sendo o(a) profissional detentor de filhos (enteados, adotivos ou via guarda judicial), terá direito a ficar em casa, nos dias assim autorizados pela empresa, a qual não poderá se recusar a fazer sua liberação sem justificativa plausível, ou, ainda, preterir essa pessoa em detrimento de outra que não tenha filhos.
Além disso, haverá também flexibilização da jornada de trabalho aos empregados e às empregadas que tenham filho, enteado ou pessoa sob sua guarda com até 6 anos de idade ou com deficiência (aqui sem limite de idade), com vistas a promover a conciliação entre o trabalho e a parentalidade. Por força de lei, sem prejuízo do teletrabalho, devem ser adotadas, ainda que cumulativamente, as seguintes práticas: (1) regime de tempo parcial (CLT, artigo 58-A); (2) regime especial de compensação de jornada de trabalho por meio de banco de horas (CLT, artigo 59); (3) jornada de 12 horas trabalhadas por 36 horas ininterruptas de descanso (CLT, artigo 59-A); (4) antecipação de férias individuais; e (5) horários de entrada e de saída flexíveis.
Essa flexibilização do regime de trabalho e das férias, segundo o §1º do artigo 8º da Lei 14.457/2022, poderá ser adotada até o “segundo ano“, o que, numa interpretação literal na norma, remete ao segundo ano de vida da criança. No entanto, como a atual legislação é direcionada não apenas a filhos naturais/enteados, como também aos adotivos e demais crianças sob guarda judicial, entendemos que o critério temporal do “segundo ano” deve ser computado a partir do momento da inserção da criança no âmbito familiar, podendo, neste caso, ultrapassar a barreira etária de 6 anos, afinal, “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (CRFB, artigo 226).
Acerca do “Regime Especial de Compensação de Jornada de Trabalho por meio de Banco de Horas“, na prática o legislador referendou um costume que, em certa medida, já era praxe no meio empresarial, em especial na pandemia ao dispor sobre o banco de horas “positivo” e “negativo”. No sistema positivo, as horas acumuladas ainda não compensadas serão pagas juntamente com as verbas rescisórias; já no negativo, as horas não laboradas serão descontadas das verbas rescisórias quando a demissão for a pedido e o empregado ou empregada não tiver interesse ou não puder compensar a jornada devida durante o prazo do aviso prévio. Aqui, ao falar em “aviso prévio”, a lei naturalmente exclui a rescisão contratual por justa causa ou indireta.
A Lei 14.457/2022 também autoriza a concessão de férias, mesmo com o período aquisitivo incompleto, até o “segundo ano” do nascimento do filho ou enteado. Aqui novamente fica registrado nosso entendimento pela interpretação da norma em conformidade com o artigo 226 da CRFB, de sorte que tal período para filhos adotivos ou sob guarda judicial deve ser computado a partir do momento da inserção da criança no núcleo familiar.
Segundo as novas diretrizes, as férias antecipadas não poderão ser usufruídas em período inferior a 5 dias corridos; o empregador poderá optar por efetuar o pagamento do adicional de 1/3 de férias após a sua concessão até a data em que for devida a gratificação natalina; e na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, os valores das férias ainda não usufruídas serão pagos juntamente com as verbas rescisórias devidas, ou, em sentido contrário, na hipótese de período aquisitivo não cumprido, as férias antecipadas e usufruídas serão descontadas das verbas rescisórias devidas ao empregado no caso de pedido de demissão.
Outra novidade são os “Horários de Entrada e Saída Flexíveis“, pois, se a atividade assim permitir, os horários fixos da jornada de trabalho poderão ser flexibilizados, ainda que ultrapassem o limite diário de 10 minutos. E para melhor organização da empresa, como também do(a) próprio(a) profissional, será definido, de comum acordo, um “intervalo de horário previamente estabelecido“, considerados os limites inicial e final de horário de trabalho diário, até para que se respeite a jornada de trabalho.
A temática da “Suspensão do Contrato de Trabalho para Qualificação Profissional“, prática que ficou conhecida como “lay-off” em tempos de severa crise econômica brasileira, passa com a atual legislação a ser novamente fomentada, seja para estimular a qualificação de mulheres e o desenvolvimento de habilidades e de competências em áreas estratégicas ou com menor participação feminina, seja para também suspender os contratos de trabalhos de pais empregados no apoio às suas mulheres ao retorno ao trabalho após o término do período de licença-maternidade.
São regras comuns a serem aplicadas às suspensões dos pactos laborais tanto de homens quanto de mulheres: (1) formalização por meio de acordo individual, de acordo coletivo ou de convenção coletiva de trabalho nos termos do artigo 476-A da CLT; (2) pagamento de bolsa de qualificação profissional (artigo 2º-A da Lei 7.998/1990); (3) ajuda compensatória mensal e facultativa pelo empregador, sem natureza salarial; (4) se ocorrer a dispensa do(a) empregado(a) no transcurso do período de suspensão ou nos seis meses subsequentes ao seu retorno ao trabalho, o empregador arcará, além das parcelas indenizatórias previstas na legislação, multa a ser estabelecida em convenção ou em acordo coletivo, que será de, no mínimo, 100% sobre o valor da última remuneração mensal anterior à suspensão do contrato de trabalho.
Registre-se que a o contrato de trabalho do pai, cuja suspensão poderá ocorrer mais de uma vez no período de 16 meses, que se dará após o término do período da licença-maternidade, tem por objetivos a prestação de cuidados e o estabelecimento vínculos com os próprios filhos, acompanhando os seus respectivos desenvolvimentos nesta primeira fase da vida, além, claro, de apoiar o retorno ao trabalho de sua esposa ou companheira. A figura paterna, aliás, é fundamental para o desenvolvimento da criança, conforme indicam os estudos científicos, cuja novidade legislativa propiciará, de fato, o fortalecimento desse necessário vínculo afetivo.
Fonte: Consultor Jurídico – ConJur