No Brasil, as mulheres são maioria da população, passaram a viver mais, têm tido menos filhos, ocupam cada vez mais espaço no mercado de trabalho e, atualmente, são responsáveis pelo sustento de 37,3% das famílias brasileiras. Dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, divulgada pelo IBGE em 2013, indicam que viviam no Brasil 103,5 milhões de mulheres, o equivalente a 51,4% da população. De acordo com a ferramenta Estatísticas de Gênero (de 2010), também do IBGE, das 50 milhões de famílias que residiam em domicílios particulares em 2010, 37,3% tinham a mulher como responsável.
Estudos recentes demonstram que, ainda que não da forma ideal, a mulher tem tido uma inserção maior no mercado de trabalho. Em 2007, as mulheres representavam 40,8% do mercado formal de trabalho; em 2016, passaram a ocupar 44% das vagas. Não há mesmo sentido em que mulheres competentes e produtivas fiquem de fora do mercado apenas porque são mulheres. A tendência, então, é que essa diferença se torne cada vez mais reduzida. Contudo, ainda há dificuldades no acesso das mulheres a cargos de chefia e na equiparação salarial com os homens, realidade que também tende a se transformar com o tempo e com o desenvolvimento cultural, econômico e social.
Fora do ambiente profissional também existem barreiras que ainda precisam ser quebradas. A maioria das mulheres ainda acumulam sozinhas as tarefas de casa e, conciliar casa e trabalho ainda é um dilema feminino, o que acaba dificultando a dedicação delas ao trabalho. Em termos numéricos, as mulheres continuam sendo as principais responsáveis pelas atividades domésticas e pelo cuidado com os filhos e com outros familiares, o que traz uma sobrecarga para aquelas que realizam alguma atividade econômica. Pesquisas demonstram uma enorme diferença entre a dedicação masculina e a feminina aos afazeres domésticos: os homens gastam nessas atividades, em média, 10,3 horas por semana e as mulheres, 26 horas.
A sociedade moderna está cada vez mais consciente de que a igualdade de direitos entre homens e mulheres é justa, crescente e inevitável. Contudo, existem diferenças físicas, biológicas e psicológicas inquestionáveis. Essas diferenças é que justificam a existência de normas especiais de proteção ao trabalho da mulher.
Regras de proteção: Direitos trabalhistas específicos das mulheres
Na primeira NJ Especial sobre o trabalhado da mulher, falamos sobre os direitos trabalhistas previstos na legislação brasileira e que protegem a maternidade. Nessa segunda matéria da série, abordamos outros direitos que, embora não diretamente relacionados à maternidade, também são exclusivamente direcionados às mulheres que trabalham.
Aqui, tratamos especificamente das seguintes normas previstas no Capítulo III da CLT, que trata da “Proteção do Trabalho da Mulher:
1) artigo 384 da CLT, que assegura às mulheres o intervalo de 15 minutos antes do início da prestação de horas extras;
2) artigo 390 da CLT, que proíbe que o empregador sujeite a empregada a tarefas que demandem força muscular superior a 20 quilos em atividades habituais e 25 quilos em atividades eventuais.
Essas regras de proteção ao trabalho feminino, conquistadas ao longo do tempo, visam, sobretudo, a dar proporcionalidade à desigualdade existente entre os gêneros, ou, em outras palavras, a compensar as diferenças biológicas e sociais que existem entre o homem e a mulher. Para alguns juristas e estudiosos, tais normas seriam discriminatórias, porque ofenderiam o princípio da igualdade e, além disso, trariam dificuldades à própria inserção da mulher no mercado de trabalho. Mas, atualmente, prevalece o entendimento de que essas regras de proteção ao trabalho da mulher, na verdade, representam a aplicação do princípio constitucional da igualdade, já que procuram “equilibrar a balança” com o “tratamento desigual, aos desiguais”.
A seguir, faremos uma breve exposição de cada um desses direitos, especialmente previstos para as mulheres. Veremos, ainda, algumas decisões da Justiça do Trabalho mineira abordando essas matérias.
1 – Intervalo do artigo 384 da CLT
Um dispositivo legal que já gerou muita polêmica foi o artigo 384 da CLT, o qual estabelece que, em caso de prorrogação do horário normal de trabalho da mulher, ela terá direito a um descanso mínimo de 15 minutos antes de iniciar o cumprimento das horas extras. E, caso esse intervalo não seja concedido, a trabalhadora deverá receber esses 15 minutos como extras, a cada dia de jornada extraordinária cumprida. Como se pode notar, esse artigo trata de um intervalo garantido exclusivamente às mulheres, ou seja, os empregados do sexo masculino não têm direito ao benefício.
Diante disso, alguns doutrinadores e juristas passaram a discutir se o artigo 384 da CLT havia sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, tendo em vista a igualdade de direitos e obrigações entre homens e a mulheres declarada no artigo 5º, inciso I, da Constituição.
Vários juristas, como Sérgio Pinto Martins, posicionaram-se no sentido de que o artigo 384 da CLT conflita com o inciso I do artigo 5° da Constituição, em que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. “Não há tal descanso para o homem. Quanto à mulher, tal preceito mostra-se discriminatório, pois o empregador pode preferir a contratação de homens, em vez de mulheres, para o caso de prorrogação do horário normal, pois não precisará conceder o intervalo de 15 minutos para poder prorrogar a jornada de trabalho da mulher” (MARTINS, Sérgio Pinto. 2001. p. 307-308).
Jurisprudência se consolida pela inexistência de ofensa ao princípio da igualdade
Contudo, a jurisprudência acabou caminhando em sentido contrário. O Tribunal Superior do Trabalho, em sessão do Tribunal Pleno no dia 17/11/2008, decidiu, no julgamento de um Recurso de Revista nº 1.540/2005-046-12-00.5, que o artigo 384 da CLT foi sim recepcionado pela Constituição Federal de 1988. O STF também já se manifestou no sentido da constitucionalidade do artigo, assim como o TRT-MG, com a edição da Súmula de nº 39:
TRABALHO DA MULHER. INTERVALO DE 15 MINUTOS. ART. 384 DA CLT. RECEPÇÃO PELA CR/88 COMO DIREITO FUNDAMENTAL À HIGIENE, SAÚDE E SEGURANÇA. DESCUMPRIMENTO. HORA EXTRA. O art. 384 da CLT, cuja destinatária é exclusivamente a mulher, foi recepcionado pela CR/88 como autêntico direito fundamental à higiene, saúde e segurança, consoante decisão do Supremo Tribunal Federal, pelo que, descartada a hipótese de cometimento de mera penalidade administrativa, seu descumprimento total ou parcial pelo empregador gera o direito ao pagamento de 15 minutos extras diários. (RA 166/2015, disponibilização: DEJT/TRT3/Cad. Jud. 16/07/205, 17/07/2015 e 20/07/2015)
Assim, aqueles que defendiam que a norma havia sido revogada pela Constituição de 1988, ao prever a igualdade entre homens e mulheres, viram seus argumentos caírem por terra.
O tema é tão polêmico que, atualmente, está sendo debatido no Projeto de Lei referente à Reforma Trabalhista, o que pode resultar, inclusive, na revogação do artigo 384 da CLT.
Decisões das Turmas do TRT-MG sobre o chamado “intervalo da mulher”:
Caso 1 – Constitucionalidade confirmada e pacificada
Pela Justiça do Trabalho mineira já passaram muitos casos que provocaram acalorados debates sobre a matéria. Em voto recente proferido na 9ª Turma do TRT de Minas, a juíza convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho, ressaltou que o Supremo Tribunal Federal, em decisão da relatoria do Ministro Dias Toffoli (no exame do RE 658312/SC, ao qual se atribuiu repercussão geral), confirmou a recepção do artigo 384 da CLT pela Constituição da República de 1988.
De acordo com a magistrada, apesar de, em decisão de embargos de declaração, ter sido declarada a nulidade daquele julgamento do STF (no RE 658312), isso se deu apenas em razão da ausência da intimação dos procuradores constituídos no processo, o que leva à conclusão de que novo julgamento será proferido no mesmo sentido, mesmo porque, “até o momento, não há pronunciamento em sentido contrário”, destacou a magistrada.
Além disso, a julgadora destacou que o TRT-MG já procedeu ao julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência relativo à questão do intervalo previsto no art. 384 da CLT, resultando na edição da Súmula 39 do Regional dispondo que, além da norma celetista ter sido recepcionada pela CR/88, como autêntico direito fundamental à higiene, saúde e segurança, o descumprimento do intervalo gera o direito ao pagamento de horas extras.
Com esses fundamentos, a juíza convocada indeferiu o requerimento do banco recorrente, que pretendia a suspensão do processo, até que o STF se manifestasse sobre a constitucionalidade do artigo 384 da CLT em novo julgamento a ser proferido no RE 658312/SC. A Turma acompanhou o entendimento da relatora. (Processo nº 00723-2014-110-03-00-1 RO, acórdão em 31/03/2017).
Caso 2 – Diferenças fisiológicas entre os gêneros justificam concessão do intervalo apenas às mulheres
Ao examinar um recurso da Caixa Econômica Federal – CEF, a 3ª Turma do TRT-MG acompanhou o entendimento do relator, desembargador Milton Vasques Thibau de Almeida, e decidiu que: “Embora a Constituição Federal contemple a igualdade entre homens e mulheres no tocante a direitos e obrigações, há diferenças entre eles, especialmente quanto ao aspecto fisiológico. Nesse contexto, a mulher realmente merece tratamento diferenciado quando o trabalho lhe exige um desgaste físico maior, como nas ocasiões em que presta horas extras. Daí a aplicabilidade do art. 384 da CLT, o qual impõe intervalo de 15 minutos à trabalhadora mulher antes do início da prestação de horas extras, conforme entendimento pacificado na Súmula nº 39 do TRT-MG”.
Na decisão, o desembargador também ressaltou que o artigo 384 da CLT é norma de caráter cogente, ou seja, de cumprimento obrigatório, já que tem por finalidade assegurar a saúde física e mental da trabalhadora, estando inserida no capítulo de proteção ao trabalho da mulher. Nesse quadro, a não concessão do intervalo não implica apenas em infração administrativa, mas obriga o empregador a pagar o período correspondente como hora extraordinária, na forma do artigo 71, § 4º, da CLT. Adotando esses fundamentos, a Turma negou provimento ao recurso e manteve a condenação da CEF de pagar à reclamante os 15 minutos extras pelo desrespeito ao intervalo do artigo 384 da CLT. (PJe nº 0010655-47.2015.5.03.0147-RO, acórdão assinado em 24/03/2017)
Artigo 390 da CLT proíbe trabalho da mulher em excesso de força muscular
Não restam mais dúvidas de que as mulheres são tão capazes e inteligentes quanto os homens. Em algumas tarefas, inclusive, elas têm se destacado. Isto porque são ótimas organizadoras, capazes de fazer várias coisas ao mesmo tempo, mais sensíveis no trato pessoal, mais determinadas, etc. Mas uma coisa não se pode negar: as diferenças biológicas existem, claro, e, em geral, o gênero masculino possui maior força física do que o feminino. Óbvio que existem exceções, como, por exemplo, quando se comparam mulheres atletas com homens não praticantes de atividades físicas. Mas a regra geral é que o porte e o desenvolvimento muscular do homem permitem que estes suportem, por exemplo, maiores cargas de peso que as mulheres.
Com isso em vista, para proteger a saúde e a integridade física da mulher trabalhadora, o art. 390 da CLT proíbe ao empregador contratar mulher para serviço que demande esforço muscular superior a 20 quilos no trabalho contínuo, ou 25 quilos, no trabalho ocasional. A regra está prevista no Capítulo III da CLT, que trata da “Proteção do Trabalho da Mulher”. Confira, abaixo, algumas decisões da JT mineira que abordam a questão.
Caso 1 – Empregada que subia escadas carregando sacos de ração e areia para animais consegue rescisão indireta do contrato de trabalho
“Via a reclamante carregar sacos de ração, sacos de areia para gatos, e outros itens pesados, subindo com os produtos pela escada para deixá-los no estoque da loja, que fica no andar de cima”. Foi o que disse a testemunha de uma trabalhadora que era empregada de uma conhecida rede de farmácias da Capital mineira e procurou a Justiça pretendendo a rescisão indireta do seu contrato de trabalho. A empregada teve o pedido acolhido pelo juiz Marcos Vinícius Barroso, em sua atuação na 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Para o magistrado, ficou claro que ela, mulher, movimentava cargas elevadas no serviço, em ofensa ao artigo 390 da CLT.
Pela prova testemunhal, o juiz notou que, embora tivesse um carregador homem na loja, ele trabalhava apenas na parte da tarde. E, quando ocorria de as mercadorias chegarem à loja pela manhã ou na hora do almoço, a empregada tinha que subir a escada carregando os produtos até o estoque, para que não ficassem na entrada da loja e atrapalhassem a passagem dos clientes.
Para o julgador, o abuso praticado pela empregadora torna sem efeito o pedido de demissão da empregada: “Houve vício de vontade da reclamante ao pedir demissão, já que ela assim procedeu porque estava insatisfeita com a atitude abusiva da empresa, que lhe exigia esforço muscular exagerado no serviço”, explicou, na sentença.
Por esses fundamentos e, ainda, com base no art. 9º, da CLT, o magistrado declarou nulo o pedido de demissão da empregada, definindo que a rescisão contratual ocorreu por falta grave do empregador, nos termos do artigo 483, “a”, da CLT e deferindo à trabalhadora as parcelas decorrentes (aviso prévio proporcional, 13º salário proporcional, férias vencidas e proporcionais + 1/3 e FGTS + 40%). – PJe- 0011131-05.2015.5.03.0012 – sentença em 12/09/2016
Caso 2 – Empregada que usava uniforme com transparência e que exercia atividade que lhe exigia força muscular superior a 20kg será indenizada
A empregada trabalhava no almoxarifado de uma empresa do ramo da indústria farmacêutica e, em suas atividades diárias, transportava caixas que pesavam de 1 a 30 kg. Além disso, o uniforme fornecido pela empresa era inadequado: uma calça branca transparente e um jaleco curto, insuficiente para tapar os quadris, deixando o corpo da empregada exposto e causando-lhe constrangimentos. Essa a situação com a qual se deparou a 1ª Turma do TRT-MG, ao analisar o recurso da empresa. Seguindo o entendimento do relator, desembargador Emerson José Alves Lage, a Turma manteve a condenação da ré de pagar à reclamante indenização por danos morais, que apenas foi reduzida de R$30.000,00 (valor fixado na sentença), para R$6.000,00.
A sentença considerou comprovados os seguintes fatos que embasaram o reconhecimento do pedido da empregada de indenização: uso de uniformes transparentes, movimentação de carga em limite superior ao legal e imposição da realização de faxina, atividade alheia àquelas originalmente contratadas. Para o juiz de primeiro grau, tais circunstâncias provocaram a diminuição da autoestima da trabalhadora.
Mas, no que se refere à realização da faxina, a Turma entendeu que o fato não é suficiente para gerar danos morais à empregada. É que, como registrado pelo relator, a imposição dessa tarefa não caracterizou conduta abusiva ou ilícita da empresa, já que a atividade era compatível com a condição pessoal da empregada, além de não configurar ofensa aos direitos de personalidade. Além disso, segundo o desembargador, a prova testemunhal demonstrou que a tarefa era realizada por todas as empregadas, indistintamente, não se tratando de limpeza pesada, mas de simples limpeza do local de trabalho, atividade que, no seu entendimento, “está inserida no rol de deveres de qualquer empregado e também no poder de direção do empregador”.
Já quanto aos outros fatos – fornecimento de uniforme inadequado e imposição de serviço com emprego de força muscular acima do limite legal – para o relator, eles foram comprovados pela prova testemunhal, configurando conduta ilegal da empresa por ofensa ao artigo 390 da CLT e à dignidade da empregada, estando ela obrigada a reparar os danos morais causados à empregada, nos termos do art. 186 e 927 do CC/02. “Inclusive, foram apresentadas fotografias demonstrando que a calça usada pela reclamante era, de fato, transparente e o que jaleco era curto, deixando o corpo da empregada exposto de forma inadequada no ambiente de trabalho e causando-lhe constrangimentos”, destacou o desembargador.
Especificamente em relação ao emprego de força muscular, o relator explicou que a CLT, em seu artigo 390, proíbe ao empregador contratar mulher para serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos, em trabalho contínuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos, em trabalho ocasional. No caso, como observou o julgador, a prova testemunhal confirmou que a reclamante movimentava, em suas atividades na ré, caixas que tinham de 1 a 30 quilos. Como pegava mais de uma caixa por vez, em muitas ocasiões, tinha que suportar uma carga de cerca de 30kg, podendo chegar até a 50 quilos. “Esses produtos eram manualmente retirados pela reclamante e colocados em um carrinho, o que também ocorria na descarga, demandando, portanto, o emprego de força muscular acima do limite legal previsto no artigo 390 da CLT”, frisou o relator, na decisão.
Por tudo isso, a Turma manteve a condenação da empresa de pagar indenização por danos morais à reclamante. No entanto, tendo em vista a reforma da sentença para se considerar lícita a imposição à reclamante da tarefa de limpeza do local de trabalho, a Turma reduziu o valor da indenização de R$30.000,00 para R$6.000,00, valor que, para os julgadores, está mais de acordo com as circunstâncias específicas do caso, além de mais condizente as quantias que vêm sendo adotadas pela Turma em casos semelhantes. (Processo:0000411-52.2012.5.03.0151 RO – acórdão em 24/04/2013).
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