É nula a transferência de servidor público para empresa privada, em razão de privatização, uma vez que há clara alteração lesiva do contrato de trabalho do empregado, que passa para um regime de desproteção absoluta quanto à preservação do seu contrato de emprego, submetido ao arbítrio do novo empregador.
Com esse entendimento, a 3ª Vara do Trabalho de Brasília determinou a manutenção dos direitos de um funcionário da Companhia Energética de Brasília (CEB) como servidor público mesmo após a privatização da empresa, ordenando a reintegração do empregado aos quadros da sociedade de economia mista.
A CEB Distribuição, empregadora originária do autor da ação, era integrante do grupo controlado pela CEB e foi transferida para o controle privado. Já as demais empresas do Grupo CEB permaneceram ativas, na condição de entes públicos vinculados ao Distrito Federal.
A partir da cisão e privatização da CEB Distribuição, foi criada uma nova empresa subsidiária, cujo quadro de pessoal foi preenchido por meio de um processo seletivo interno visando o aproveitamento de parte dos empregados da subsidiária cindida. De toda forma, o autor foi transferido, razão pela qual ajuizou reclamação trabalhista pedindo a estabilidade do seu vínculo público.
A defesa do trabalhador explicou que ele foi aprovado em concurso público e possui um vínculo com a administração, o que tira o direito da empresa demiti-lo sem a promoção de um processo administrativo ou qualquer outro instrumento que garanta o direito de ampla defesa e contraditório.
Em sua decisão, o juiz Francisco de Azevedo Frota pontuou que o contrato de trabalho celebrado com ente da administração pública indireta, mesmo que regido pela CLT, não se equipara ao contrato de emprego estabelecido com empresas privadas. “O poder empregatício, inerente ao contrato de trabalho, encontra limites mais acentuados no emprego público, que decorrem dos princípios da administração pública”, ressaltou.
Para o magistrado, o empregado que passa a integrar os quadros de empresa privada, em razão da privatização de sua empregadora originária, não poderá exigir que ela observe os princípios inerentes à administração pública, dentre os quais o de não lhe impor uma despedida arbitrária ou desmotivada.
Isso porque a necessidade da motivação da dispensa provém do regime jurídico a que o ente público empregador está submetido, não havendo, assim, como transferir essa mesma condição à empresa privada.
“Diante desse cenário, torna-se forçoso concluir que o empregado tem o direito subjetivo de resistir à transferência do seu contrato de trabalho para a empresa sucessora nos casos de privatização, pois essa alteração do polo empregador afronta diretamente as garantias contratuais inerentes ao regime jurídico próprio da administração pública”, destacou.
Francisco Frota também lembrou que o artigo 468 da CLT dispõe exatamente que as alterações contratuais lesivas são nulas de pleno direito, concluindo pelo reconhecimento da invalidade da transferência do empregado para empresa privada, devendo ser integrado ao quadro de pessoal do Grupo CEB, vinculado a qualquer uma de suas empresas subsidiárias em atividade.
Ele determinou ainda que o Grupo CEB assegure ao profissional todas as condições de trabalho já estabelecidas no ato da contratação e ratificou a tutela de urgência impedindo a empresa de demitir o empregado sem justo motivo, até o trânsito em julgado da decisão.
Segundo o advogado Max Kolbe, essa foi uma vitória histórica no país, pois não há nenhum outro precedente reconhecendo o vínculo público do empregado após a privatização da empresa pública ou sociedade de economia mista.
“Tivemos inúmeras dificuldades, em especial por não haver nenhuma literatura ou julgado que defendesse a ideia. Tivemos de criar toda a tese do zero. Essa vitória é o marco inicial na manutenção do vínculo público após a privatização das empresas estatais. Essa vitória muda todo o cenário das privatizações no país, protegendo milhares de empregados de uma demissão sumária”, comentou Kolbe.
Fonte: Consultor Jurídico – ConJur