“As provas dos autos evidenciam que o reclamante não era dono e senhor da sua força de trabalho, não possuindo autonomia para exercer a atividade no horário e da forma como melhor lhe aprouvesse, restando provada a subordinação jurídica alegada”. A conclusão é da juíza Fernanda Carvalho Azevedo Formighier, da 11ª Vara do Trabalho de Salvador, ao reconhecer vínculo empregatício entre um entregador e a Uber do Brasil Tecnologia.

Além de determinar que a plataforma proceda à assinatura e baixa na carteira de trabalho do colaborador, a magistrada a condenou ao pagamento das verbas devidas após encerrar, sem justa causa, o vínculo com o entregador. Por meio de nota, a Uber classificou a decisão de “entendimento isolado” e disse que recorrerá da decisão, por não haver vínculo entre a empresa e os seus “parceiros”.

Fruto de parceria da Universidade Federal da Bahia (UFBA) com o Ministério Público do Trabalho para o estudo das relações trabalhistas em setores sensíveis como o de entregadores e o de call center, o Projeto Caminhos do Trabalho prestou a assessoria jurídica ao autor da ação contra a Uber, em Salvador.

Ônus da prova
Segundo a sentença, ao admitir a prestação de serviços, mas opondo fato modificativo/impeditivo do direito do reclamante, a reclamada atraiu para si o ônus da prova, conforme dispõe o artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), do qual não se desvencilhou. “Diante do exposto, concluo pela existência de vínculo empregatício entre as partes”.

Ficou demonstrado que o entregador fez entregas pela Uber Eats entre os dias 18 de dezembro de 2019 e 17 de novembro de 2020, sendo a última remuneração de R$ 879,51. Com base no período e valor, a juíza do trabalho condenou a plataforma a pagar ao reclamante a quantia de R$ 9.845,66, com juros e correção monetária.

A importância engloba aviso prévio com integração ao tempo de serviço, férias com 1/3, 13º salário proporcional e liberação do FGTS com 40%. Também foram impostos à reclamada os pagamentos de R$495,85, a título de honorários de sucumbência, e de R$265,62, referente às custas processuais.

Requisitos presentes
De acordo com a juíza, ficaram demonstrados os requisitos do artigo 3º da CLT para o reconhecimento da condição de empregado, tais como “trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade, onerosidade, subordinação e não eventualidade”.

A Uber suscitou em sua contestação a preliminar de incompetência material da Justiça do Trabalho, sob o argumento de que a relação havida entre as partes é de cunho cível e não trabalhista. No mérito, alegou que, na qualidade de empresa de tecnologia, se responsabiliza apenas por proporcionar a operacionalidade da plataforma digital, sem explorar atividade de transporte ou de entrega de mercadorias.

A magistrada afastou a preliminar de incompetência, justificando que modificações introduzidas pela Emenda Constitucional 45/2004 atraíram as questões que envolvem as relações trabalhistas para a Justiça do Trabalho.

“Da análise da petição inicial restam presentes todos os elementos que permitem a análise da questão por este ramo do Judiciário, haja vista o pleito de verbas trabalhistas devidas durante o período de prestação de serviços, cujo vínculo empregatício ora se requer”, ponderou Fernanda Formighier.

Jornada livre x subordinação
O fato de o colaborador admitir em seu depoimento não ter jornada delimitada de forma explícita, conforme a juíza, não evidencia autonomia, tampouco a ausência de subordinação, porque ele relatou a necessidade de cumprir metas para permanecer vinculado à plataforma.

Segundo a julgadora, também é incontroverso que o reclamante, sem participar da negociação de preços, recebia os pagamentos das entregas da empresa, e não diretamente do consumidor.

Na hipótese de reconhecimento do vínculo, a Uber requereu a aceitação da despedida por justa causa por não ter o colaborador feito quatro entregas em dias diferentes de novembro de 2020. O pedido subsidiário da plataforma também foi rejeitado porque o reclamante comprovou que nessas oportunidades tentou, sem sucesso, contatos com empresa, mas a reclamada não demonstrou ter prestado o devido suporte ao autor.

Fonte: Consultor Jurídico – ConJur