A Primeira Turma do TRT de Goiás reformou sentença da 17ª Vara do Trabalho de Goiânia aumentando de R$ 10 mil para R$ 30 mil a indenização por danos morais a ser paga por uma empresa de telefonia a uma atendente de call center que sofreu assédio sexual no ambiente laboral. A decisão levou em consideração o fato de a ofensa ter se prolongado no tempo (5 meses) e a empresa não ter adotado medidas para cessar de imediato o comportamento reprovável do assediador. A prova pericial também confirmou o nexo de concausalidade entre o ilícito e o transtorno de adaptação que a empregada desenvolveu após os assédios.

Assédios
Segundo a empregada, os assédios por parte de um analista da empresa começaram em janeiro de 2017. Ela relatou que, por ser analista, ele tinha facilidade de percorrer pelos corredores da empresa. Conforme os autos, o assediador dizia expressões constrangedoras e insidiosas, de forte teor sexual, inclusive fazendo observações sobre o corpo da trabalhadora e a convidando para “saírem”. A empregada disse que se sentia perseguida, pois mesmo alternando horários de descanso ou lanche ele aparecia para assediá-la.

Conforme os autos, a atendente de call center relatou os fatos ao seu supervisor, mas inicialmente ele não acreditou. Posteriormente, encontrou outra colega que sofria assédio sexual da mesma pessoa e as duas foram juntas denunciar o fato ao gerente de operação. O fato, no entanto, foi tratado como “desvio de conduta” e não “assédio sexual”.

A trabalhadora afirmou que em depoimento posterior para apurar os fatos, ela estando grávida na ocasião, foi constrangida com perguntas do tipo se ela usava roupas provocativas. Afirmou ainda que desenvolveu síndrome do pânico após os fatos. No recurso ao Tribunal, ela pediu a majoração da indenização, por considerar ínfimo o valor arbitrado em primeira instância.

A empresa justificou que não ocorreu assédio sexual, pelo fato de não haver relação de hierarquia entre os envolvidos, que houve na verdade um “comportamento indevido” de colega distante. Defendeu que o assédio sexual só se caracteriza quando presente a
superioridade hierárquica do assediador sobre o assediado. Além disso, alegou a caracterização de perdão tácito, pelo contrato ter sido rescindido mais de ano após os supostos assédios. Pediu, assim, o indeferimento do pedido de indenização.

Assédio horizontal

O desembargador Eugênio Cesário afirmou que, embora a empresa classifiqueo o fato como “comportamento indevido”, a prova oral, aliada ao feito investigatório, permite concluir pela caracterização de assédio sexual horizontal, “ultrapassando os limites de mero flerte”. “O intuito libidinoso do algoz ficou evidenciado na medida em que os envolvidos não se conheciam, trabalhavam em setores distintos, a importunação maliciosa ocorria no ambiente de trabalho, pelas expressões apelativas, com a finalidade de satisfazer a própria lascívia”, considerou.

O desembargador afirmou que, diferentemente da tese da defesa, o perdão tácito não ficou caracterizado pelo decurso do tempo entre a dispensa do ofensor e a rescisão do contrato de emprego da reclamante, pois houve violação aos direitos da personalidade e cumprimento do contrato de trabalho. O relator ainda destacou que o assédio vivenciado pela mulher desencadeou consequências maléficas para a saúde dela, como a síndrome do pânico.

Para o relator, nada justifica a tolerância da empresa com a conduta reiterada do agressor sem que tivesse tomado providências para cessá-la imediatamente, à primeira notícia. Eugênio Cesário ainda ressaltou que o dever de indenizar é da empresa, real empregadora da autora, responsável assim pela reparação civil da conduta abusiva praticada por seu empregado, conforme os artigos 932 e 933 do Código Civil.

Aplicação da norma constitucional

Por fim, Eugênio Cesário lembrou que a Reforma Trabalhista, introduzida pela Lei 13.467/2017, estipulou limites para a definição do valor de indenizações, com base no salário do ofendido e a gravidade do dano. Nesse caso específico, no entanto, o relator afastou a aplicação dessa norma, por considerar que a situação em concreto de assédio moral tão grave não se resume à condição de trabalhadora, mas tem a ver com a dignidade da pessoa humana.

O magistrado aplicou a teoria da norma híbrida, ou seja, das normas de conteúdo material e processual, cuja vigência no tempo tem critérios diferentes. “Nós estamos deixando essas normas de fora, porque elas entraram em vigência depois dos fatos. Como o tempo rege o ato, a norma daquele tempo que irá regê-lo”, pontuou ao destacar que nesse caso será aplicada a norma constitucional da dignidade da pessoa humana.

Eugênio entendeu que a limitação de indenizações trazida pela reforma trabalhista não oferece um remédio, uma punição , à altura do caso. “As normas que estabelecem proteção à dignidade humana e a moral do indivíduo são de natureza constitucional e vão muito além da condição do ser humano como trabalhador para alcançá-lo como um todo”, concluiu o magistrado. Assim, decidiu majorar a indenização antes arbitrada em R$ 10 mil para R$ 30 mil. Os demais desembargadores, por unanimidade, acompanharam o voto do relator.

O número do processo não foi divulgado por tramitar em sigilo.

Fonte: Justiça do Trabalho – TRT18